SAÚDE
Dezembro Vermelho: casos de HIV em pessoas 50+ aumentam 13%
Entre janeiro de 2022 e o início de novembro de 2024, foram registrados 2.276 casos no grupo de pessoas 50+
Heliana Moura, de 55 anos, convive com o vírus do HIV há 28 anos. Mãe de dois filhos e assistente social, a belo-horizontina afirma que, no início, foi difícil assimilar o diagnóstico. Ela recebeu a notícia em 1995, época na qual os tratamentos não eram tão eficazes e a expectativa de vida era baixa. No entanto, mesmo com o avanço dos tratamentos, o diagnóstico de HIV segue amedrontador e preocupante. “De lá para cá, apesar de termos medicamentos e tratamentos eficazes, as pessoas ainda têm muita dificuldade de receber o diagnóstico. Existe muito preconceito, e o estigma infelizmente predomina. Estigmatizam as pessoas que se infectam com o HIV”, afirma Heliana.
A assistente social contraiu o vírus há anos, mas o número de pessoas na faixa etária dela e mais velhas – de 50 a 79 anos – que estão lidando com a mesma situação tem crescido em Minas Gerais. Entre janeiro de 2022 e o início de novembro de 2024, foram registrados 2.276 casos no grupo de pessoas 50+, conforme dados da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG). Em 2022, o índice foi de 761. Em 2023, o índice chegou a 863, um crescimento de 13%. Neste ano, até novembro, já foram notificadas 652 infecções. É importante ressaltar que o diagnóstico do HIV é diferente do da AIDS. A doença é a forma mais grave de manifestação do vírus (HIV), que pode ser evitada com a medicação adequada.
Para conscientizar a população sobre a importância do tratamento precoce das Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), que incluem o vírus HIV e a AIDS, o Ministério da Saúde e os poderes municipais e estaduais dedicam o último mês do ano a ações nesse sentido. A campanha tem o nome de Dezembro Vermelho. Conforme o boletim epidemiológico de 2023 do órgão nacional, houve um aumento de 20,3% no número de casos na faixa etária de 60 anos entre 2015 e 2022 – o número saltou de 2.209 para 2.657 casos.
Durante o mês de dezembro, o governo de Minas Gerais, por meio da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG), intensifica a divulgação sobre as Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), conforme explica Ana Paula Mendes Carvalho, diretora de Vigilância de Condições Crônicas. “É um mês de campanha em que promovemos a conscientização sobre a prevenção ao HIV e outras ISTs. Realizamos publicações nas redes sociais e divulgamos informações para sensibilizar a população”, afirmou.
Em caso de dúvidas sobre a condição de saúde, os usuários são orientados, segundo Ana Paula, a “buscar a unidade de saúde para realizar a testagem”. “Se o resultado for positivo, o tratamento será iniciado. A medicação é gratuita e disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS)”, destacou.
A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) afirma que mantém, ao longo de todo o ano, e não somente em dezembro, diversas ações destinadas ao atendimento de pessoas que vivem com HIV/Aids. Entre as iniciativas estão a oferta de testes rápidos para detecção de HIV, hepatites virais e sífilis, além do diagnóstico e tratamento dessas condições, segundo nota divulgada pelo Executivo municipal.
Neste ano, as unidades básicas de saúde da capital passaram a oferecer o Teste Rápido (TR) Duo, que detecta simultaneamente a infecção por HIV e sífilis em gestantes. “O teste é realizado exclusivamente durante o pré-natal, em dois momentos: na primeira consulta, idealmente no primeiro trimestre da gravidez, e no terceiro trimestre gestacional”, detalhou a prefeitura.
Além disso, o município conta com uma rede de Serviços Especializados em Infectologia (SAE), destinada ao atendimento de pessoas com HIV e outras doenças infecciosas, fortalecendo o suporte às demandas dessa população.
Orientações são necessárias
Na avaliação do geriatra e presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), Marco Túlio Cintra, os dados que mostram o crescimento no número de diagnósticos de HIV reforçam a importância do que é preconizado pela ação do Ministério da Saúde: orientações sobre medidas preventivas, garantia de diagnóstico precoce e acesso aos tratamentos contínuos e especializados para a população, inclusive para pessoas 60+. Sobre o motivo do aumento no número de diagnósticos entre esse público, o geriatra considera que não há uma causa única. Para o médico, um dos principais fatores está relacionado ao baixo uso de preservativos, já que não existe mais a preocupação com uma possível gravidez.
“É preciso deixar claro para essa faixa etária que o preservativo não é apenas um método contraceptivo, mas também uma alternativa bastante eficaz para evitar muitas infecções sexualmente transmissíveis, incluindo o HIV. Muitos idosos são divorciados ou viúvos, o que faz com que se sintam mais livres para outras relações e acabam se descuidando. Além disso, os aplicativos de relacionamento também auxiliam nessa jornada, facilitando os encontros”, ressalta Marco Túlio.
O geriatra também aponta fatores biológicos da idade que ampliam os riscos de infecção. O médico explica que a pouca lubrificação da vagina e do ânus, por exemplo, e a fragilidade do sistema de defesa do organismo nesses locais facilitam a entrada do HIV. Embora tenha ocorrido um aumento no número de testes e diagnósticos, as informações sobre a testagem ainda são divulgadas de forma insuficiente, o que contribui para que nem sempre ocorra a detecção precoce. “Infelizmente, mesmo quando o idoso já apresenta sintomas, como emagrecimento acentuado, os médicos frequentemente suspeitam de câncer ou outra doença, mas raramente do vírus HIV. Esse ainda é um tabu dentro dos consultórios. É mito acreditar que idosos não têm mais libido e vida sexual ativa, e isso prejudica a prevenção da doença e o diagnóstico precoce”, afirma.
Como lidar com a doença?
Cintra aponta que a reação da pessoa ao descobrir a doença pode ser de negação, raiva, perplexidade ou tristeza. O especialista reforça que este é o momento de acolher, sem julgamentos, para que o tratamento comece o mais rápido possível. “Não podemos nos esquecer da questão da saúde mental e emocional dessas pessoas, uma vez que o estigma social relacionado ao HIV e à AIDS afeta a autoestima e o bem-estar psicológico do idoso. Assim, esse suporte deve integrar o tratamento”, afirma o médico.
O especialista também destaca a eficácia do tratamento como parte do acolhimento. “Felizmente, hoje existem tratamentos eficazes com as chamadas terapias antirretrovirais, que permitem controlar a carga viral. No entanto, o uso desses medicamentos apresenta particularidades para a faixa etária dos idosos, sendo comum que eles tenham comorbidades e doenças crônicas. Em determinados casos, por causa da interação medicamentosa, é necessário ajustar as dosagens ou os princípios ativos para controlar enfermidades como diabetes, dislipidemia e hipertensão. O principal objetivo é não afetar a efetividade da terapia antirretroviral”, pontua.
Tratamento e mudança de vida
Após o impacto inicial, Heliana iniciou o tratamento e, mesmo nos anos 1990, obteve sucesso. “O HIV trouxe um grande aprendizado para minha vida. Costumo dizer que ele foi um professor, porque, a partir daí, pude me reinventar e mudar muitas coisas. Comecei a fazer diferente, porque o HIV não me define. O que importa é o que fiz após o diagnóstico. Ele me possibilitou ser uma pessoa melhor, uma profissional melhor. Comecei a me cuidar mais e a olhar o próximo com mais empatia”, detalha.
Heliana, assistente social, é mãe de uma menina e um menino. A filha nasceu antes de ela contrair o HIV; o filho, após, e nasceu sem o vírus. “Muitas pessoas acreditam que mulheres vivendo com HIV não podem ter filhos. No entanto, uma mãe que segue o tratamento com os antirretrovirais, realiza os exames regularmente e está indetectável não transmite o HIV para o bebê durante a gestação ou o parto. Além disso, nós não amamentamos”, ressalta.
Há cerca de 18 anos, Heliana passou a integrar o Movimento Nacional de Cidadãs Posithivas (MNCP). Segundo ela, a iniciativa promove o fortalecimento de mulheres vivendo com HIV e AIDS, independentemente de orientação sexual, raça, cor, identidade de gênero ou filiação política. “O movimento combate o isolamento e a inércia dessas mulheres, reafirmando sua cidadania e promovendo a troca de informações e experiências para melhorar a qualidade de vida”, pontua Heliana.
Prevenção começa na infância
Para o médico infectologista Carlos Starling, os principais caminhos para evitar uma infecção por HIV começam com orientações desde a infância, no ensino fundamental. Ele ressalta a importância de informar as crianças sobre o futuro, discutindo temas como sexualidade a partir dos 10 anos de idade e promovendo a vacinação contra o HPV.
“É preciso falar abertamente, discutir e orientar. Isso é um papel do Estado e da família. Em seguida, é essencial abordar o sexo seguro, que começa com o uso de preservativos, vacinação contra doenças sexualmente transmissíveis e prevenção combinada, como o uso de antirretrovirais”, afirma.
Starling também alerta que a AIDS continua sendo um grande problema de saúde pública no Brasil. “Hoje, 30 pessoas morrem por dia no Brasil em decorrência do HIV. É uma doença com diagnóstico facilmente acessível tanto na rede pública quanto privada. Uma vez diagnosticada, há tratamento altamente eficaz, fornecido gratuitamente pelo SUS, que permite uma vida normal com o uso da medicação. Lembrando que o tratamento também é uma estratégia para evitar a transmissão”, enfatiza.
Ele reforça que o acolhimento dos infectados é fundamental. “Famílias e a sociedade precisam entender que a doença é tratável e prevenível, e que não é mais uma sentença de morte, como foi na década de 1980. Hoje, é uma doença crônica, como diabetes ou hipertensão. Portanto, os pacientes devem ser acolhidos e incentivados a aderir ao tratamento”, conclui.
Doença não define pessoas
Infectado pelo vírus da AIDS em um acidente automobilístico há 41 anos, o belo-horizontino Francisco Adalton Aleixo da Mota, de 72 anos, não se sente diferente de ninguém, apesar dos rótulos e preconceitos. Ele lembra que, em 1983, possuir essa enfermidade era sinônimo de morte.
“Fui infectado de uma forma atípica e fiquei sem chão ao descobrir que era soropositivo. Naquela época, ser aidético era sinônimo de ser usuário de drogas ou gay. Minhas primeiras providências foram o isolamento, a compra de um jazigo no cemitério e um plano para adquirir um caixão”, relata.
Aposentado desde 2000, Francisco atualmente ministra palestras pelo Brasil na área de prevenção ao HIV. “Todo mundo sabe da minha sorologia. Meu trabalho é romper barreiras do preconceito e libertar as pessoas do medo ao receberem o diagnóstico. Digo a elas que se aceitem”, destaca.
Dados e ações em Minas
A realização de ações contínuas para a prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) é necessária visto que, de acordo com a SES-MG, entre janeiro de 2022 e o início de novembro de 2024, foram registrados 14.186 casos de HIV/AIDS no Estado. As faixas etárias com os maiores números de infectados foram as de 20 a 34 anos, com 6.877 casos, e de 35 a 49 anos, com 4.572 casos.
A pasta afirma que dentre as iniciativas para a prevenção de ISTs estão:
- Aquisição e distribuição de insumos preventivos (testes rápidos, preservativos e gel lubrificante);
- Distribuição de medicamentos antirretrovirais e compra e distribuição de medicamentos para infecções oportunistas;
Compra e distribuição de fórmula láctea infantil para crianças expostas ao HIV; - Distribuição de testes rápidos para diagnóstico do HIV;
- Elaboração de campanhas de sensibilização sobre ISTs, HIV/AIDS e Hepatites Virais;
- Monitoramento de dados epidemiológicos, com elaboração de boletins e painéis para divulgar o cenário estadual e subsidiar ações nos municípios.
ISTs em BH
Segundo a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA), entre janeiro de 2022 e o dia 21 de novembro de 2024, foram registrados 1.993 novos casos de infecção por HIV e 572 novos casos de AIDS. O órgão aponta que as faixas etárias mais acometidas pelo HIV ou AIDS na capital mineira são as de 20 a 34 anos.
A respeito de outras ISTs, Belo Horizonte registrou 641 casos de hepatites virais (A, B, C e D) entre 2022 e 2024 e 14.723 casos de sífilis entre janeiro de 2022 e o dia 2 de dezembro de 2024.
Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte informou que outro importante avanço promovido foi a ampliação do serviço de Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) ao HIV, com as consultas também sendo ofertadas nos 153 centros de saúde da cidade. Antes, esses atendimentos eram prestados apenas em cinco unidades de atenção especializada. A expansão visa facilitar e agilizar o acesso da população, fortalecendo as opções de cuidado e garantindo a saúde sexual.
Para promover a saúde e prevenir o HIV, também são desenvolvidas ações de sensibilização sobre sexo seguro e prevenção combinada. O município conta ainda com uma rede de Serviços Especializados em Infectologia (SAE) para atendimento ao HIV e outras doenças infecciosas”, destaca a PBH.