BEBIDA ALCOÓLICA MATA

Cresce número de mortes no Brasil por consequências do alcoolismo em pessoas com 55 anos ou mais

Faixa etária foi a única a registrar alta de mortes entre 2010 e 2022, conforme relatório 'Álcool e saúde dos brasileiros: Panorama 2024'

Cresce número de mortes no Brasil por consequências do alcoolismo em pessoas com 55 anos ou mais
Publicado em 17/01/2025 às 7:26

O dia 10 de dezembro de 2020 será sempre marcante na vida de Marileuza Zeferino, de 50 anos. A data é a da morte do pai, Sinval José Vieira, aos 72 anos, vítima de complicações provocadas pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas. Para a cabeleireira, foi um misto de sentimentos. “No momento, senti muita tristeza. Mas para a gente foi um alívio diante de tudo que eu, minha mãe e meus quatro irmãos vivemos”, conta.

Segundo Marileuza, a dependência alcoólica do pai o acompanhou desde antes do casamento com a mãe dela, atualmente com 77 anos. “Ele era aquela pessoa que, se não tivesse cachaça, cerveja, bebia até álcool. Sempre gostou de bebida quente. Tinha um alambique em casa e depois abriu um boteco, onde bebia e vendia álcool o dia inteiro. Era todo dia. Cinco litros de cachaça para ele por semana era pouco”, afirma.

Comportamento que, conforme a cabeleireira, agravou a pressão alta e o câncer de próstata que o pai tinha. “Por teimosia, ele não tomava os remédios, porque preferia continuar bebendo (…). Ele já sabia que era alcoólico e não ligava. Até que um dia a pressão dele subiu tanto que causou falência renal, e logo depois ele teve uma parada cardíaca. Não resistiu”, lamenta.

O drama vivido por Marileuza tem se tornado mais comum em muitas famílias brasileiras. O relatório “Álcool e a Saúde dos Brasileiros: Panorama 2024”, desenvolvido pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), revela que, entre 2010 e 2022, a faixa etária acima dos 55 anos foi a única a registrar aumento nas mortes associadas ao consumo de álcool no Brasil.

 Entre os homens, o número de óbitos subiu de 8.676 em 2010 para 10.190 em 2022, alta de 17,5%. Já entre as mulheres, o número passou de 1.241 para 1.376, o que representa um aumento de 10,9%. Os números têm como base dados do DataSUS, do Ministério da Saúde.

Por outro lado, em todas as outras faixas etárias, as mortes relacionadas ao álcool apresentaram queda, com destaque para a redução mais significativa entre os jovens de 18 a 34 anos, que caiu de 20,5% para 13,7%.

Para Mariana Thibes, coordenadora do Cisa, embora alarmante, esse aumento no consumo de álcool na faixa etária não é surpresa. “Muitas pessoas nessa fase da vida lidam com a solidão e a perda de cônjuges e amigos. A vida social diminui, e a pessoa se vê sem as atividades que tinha quando era mais jovem. O álcool acaba ocupando esse vazio emocional, tentando aliviar a dor”, explica Mariana.


Pandemia

De acordo com a especialista, a pandemia da Covid-19, que teve início em 2020, contribuiu muito para o problema. O relatório da Cisa mostra que a prevalência do consumo abusivo de álcool entre pessoas de 55 anos ou mais também subiu de 8,9% em 2010 para 10,6% em 2023, com picos nos dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021).

Mariana afirma que o confinamento e a ansiedade pelo momento que a humanidade enfrentava alteraram os hábitos de consumo da população, que não foi totalmente “curada” ainda. “Durante a pandemia, o ato de beber para lidar com as dificuldades se tornou um fator determinante para desenvolver dependência. Para piorar, muitos bebem sozinhos. Começa como algo apenas para enganar a solidão e, com o hábito, se torna indispensável para vencer o dia”, afirma.

Álcool é risco para a saúde, diz médica

Médica gastroenterologista e hepatologista da Santa Casa BH, Ana Flávia Passos alerta para os riscos à saúde de quem ingere bebidas alcoólicas. O exagero no consumo está associado ao desenvolvimento de distúrbios mentais, doenças cardiovasculares, gastrointestinais, hepáticas, como cirrose, e até alguns tipos de câncer. Ana Flávia explica que os efeitos nocivos tendem a ser mais graves em pessoas acima dos 55 anos.

“O álcool afeta todo o corpo, inclusive o sistema neurológico. E na faixa etária dos 55 anos ou mais o risco é ainda maior. Nessa idade, por exemplo, muitas pessoas apresentam fragilidade óssea, e, com o álcool afetando o equilíbrio, o risco de quedas graves aumenta consideravelmente. Além disso, o álcool pode levar à desnutrição proteica e calórica, afetando os níveis de vitaminas, especialmente do complexo B”, lista a médica.

Para a especialista, diante das consequências, é preciso repensar a forma como a sociedade vê o consumo de álcool. “As pessoas tendem a focar apenas aqueles que bebem até cair, mas quem consome mais de três doses diárias de álcool (equivalentes a 30 g por dose) é considerado etilista pesado. E o etilista não está necessariamente doente, mas tem um consumo frequente e prejudicial”, afirma. 

Entenda

O termo “alcoólatra”, de acordo com os especialistas ouvidos pelo Super, não é mais usado por ser depreciativo. As formas corretas de se referir a uma pessoa que tem dependência de bebida alcoólica são “etilista”, “alcoolista” ou “alcoólico”. O “etilista pesado”, se for homem, é aquele que ingere mais de 210 g de álcool por semana, e para as mulheres, acima de 140 g.