JUROS

Copom deve aumentar Selic hoje; tensão entre governo e mercado ganha novo capítulo 

Boletim Focus aponta para uma alta de 0,75 ponto percentual, medida contrária ao entendimento do governo

Copom deve aumentar Selic hoje; tensão entre governo e mercado ganha novo capítulo 
Publicado em 11/12/2024 às 6:57

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central deve aumentar em 0,75 ponto percentual a Selic, a taxa básica de juros da economia brasileira, elevando o índice a 12% nesta quarta-feira (11). O valor foi projetado no boletim Focus, por analistas de mercado, às vésperas da última reunião do órgão sob a presidência de Roberto Campos Neto. O último reajuste promovido foi em novembro, quando houve elevação para 11,25%

A previsão de mais um aumento de juros, que deve se concretizar no final do dia, ocorre em um dos momentos de maior tensão entre governo e mercado desde janeiro de 2023. Enquanto o PIB cresce acima das expectativas e o país registra bons indicadores econômicos, como aumento da massa salarial e taxas de desemprego e nível de pobreza nos valores mais baixos desde 2012, o dólar tem batido recordes consecutivos e chegou a R$ 6,08 na última segunda-feira

A variação na taxa de câmbio exemplificou o descontentamento de agentes financeiros com a política econômica do governo Lula (PT) e ocorreu principalmente após o anúncio de um pacote de corte de gastos pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O arcabouço prevê uma economia de R$ 71,9 bilhões até 2026 e R$ 327 bilhões até 2030, com alterações na política de valorização do salário mínimo e em alguns programas sociais importantes para o governo. 

Como parte das medidas, o governo federal também anunciou a isenção do Imposto de Renda (IR) para trabalhadores com salários de até R$ 5 mil. Para compensar a renúncia, estimada em R$ 50 bilhões por ano, o governo quer a taxação de lucros e dividendos superiores a R$ 50 mil por mês, hoje isentos no Brasil. As medidas dependem de aprovação no Congresso Nacional. Entretanto, até lá, a economista e professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) Carla Beni vê um cenário indefinido e não acredita em um arrefecimento da tensão entre governo e mercado. 

A docente afirmou que os indicadores apontam para um conforto macroeconômico no Brasil e um cumprimento de propostas de campanha do petista para a redução da desigualdade social. “Eu não me lembro de ter visto um descasamento de realidade tão profundo como o que estamos vivendo agora. E eu vou usar justamente esse termo: descasamento de realidade, porque, macroeconomicamente, o país está muito bem, obrigado. Estamos conseguindo resultados importantíssimos: a inflação está controlada, e não temos nenhuma possibilidade de surto inflacionário”, analisou Beni.

A economista afirmou que percebe questões ideológicas nas negativas do mercado ao governo. Uma das principais queixas dos agentes financeiros é o aumento de gastos no governo petista. Segundo o IBGE, o crescimento foi de 1,3% em novembro deste ano, em comparação ao mesmo período do ano passado. No entanto, de acordo com a professora da FGV, a variação está relacionada ao pagamento de R$ 94 bilhões em precatórios herdados do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

“O mercado não está preocupado com as pessoas na fila do osso, passando fome. Ele quer saber como será feita a correção do salário mínimo do trabalhador e, se necessário, quer um corte também. Há uma obsessão com a questão fiscal — e isso não significa que ela não seja importante. É importante, mas não há desequilíbrio fiscal nem gastança. Há um fundo ideológico muito forte, agora ainda mais acentuado com a reforma tributária”, criticou.

Dívida pública

Com outra visão, Diego Faust, sócio da Manchester Investimentos, citou que há no mercado uma preocupação com o crescimento da relação entre o valor da dívida pública e o PIB. Em outubro, as despesas do governo atingiram 78,5% do PIB. Até o final do ano, a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal projeta um crescimento com o índice chegando a 80%. 

No ano passado, o PIB cresceu 2,9% e somou R$ 10,9 trilhões. Para 2024, as previsões apontam para uma alta acima de 3%. “Quando a gente olha para o PIB crescendo e para outros índices como por exemplo o índice de eficiência da hora trabalhada no Brasil caindo, atividade industrial caindo agora nesse último trimestre, a gente vê alguns indicadores conflitantes com o PIB crescendo. Em grande parte, esse crescimento do PIB é dado por gastos do governo. À medida que a gente tem então um PIB crescendo, não por conta da base produtiva do país, isso gera uma pressão inflacionária a longo prazo”, analisou. 

Impactos

O sócio da Manchester Investimentos, Diego Faust, reforçou que o anúncio do corte de gastos ficou aquém do esperado e demonstrou falta de compromisso do governo com a pauta fiscal. Para o mercado, ele avaliou, há um sentimento de que o futuro está completamente desalinhado com o desejado. “O Executivo teve uma oportunidade imensa de dar uma sinalização clara do que seria feito e essa sinalização não veio de maneira clara, não veio de maneira uníssona, veio de maneira atabalhoada”, analisou. 

Faust também criticou a inclusão da isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil no arcabouço e afirmou que a elevação da Selic, entre 0,75 e 1 ponto percentual, representaria a manutenção de uma atuação técnica do Banco Central. “Se esse anúncio, por exemplo, vem uníssono ali no colegiado, com todos os diretores indicados pelo governo Lula, como o próprio Gabriel Galípolo (próximo presidente do BC) e todos concordando com isso, é uma sinalização de que essa atuação mais técnica do Banco Central vai continuar e aí você tem, de fato, pelo menos um alívio. 

A economista Carla Beni, todavia, alertou para um cálculo de um prejuízo ao Tesouro Nacional de R$ 50 bilhões caso a Selic suba 1 ponto percentual. “Não existe corte financeiro e de orçamento que se consiga fazer pra tirar esses R$ 50 bilhões. No ano passado, 46% do orçamento, desembolso de caixa, foi direcionado para pagar juros e amortização da dívidas”, indicou Beni. A docente também criticou o Banco Central, instituição que, a partir de janeiro, terá Gabriel Galípolo, indicado por Lula, na presidência. 

“O Banco Central precisa escutar menos o mercado financeiro, porque a economia está sim indo bem. Lógico que ainda temos muito o que fazer, os preços de alimentos, por exemplo, estão em patamar muito acima do que estava antes da pandemia”, finalizou.