NOVO AARÃO REIS
Moradores à margem do Onça, em BH, denunciam entulho após desapropriação e temem desastre com chuva
Área será anexada ao parque do Onça, com mata ciliar; mas, até lá, terra aberta e entulhos aumentam risco de enchentes
Viver à margem do ribeirão da Onça, no bairro Novo Aarão Reis, na região Norte de Belo Horizonte, é suportar carências, mesmo rodeado pela abundância de um grande córrego – poluído. Quando o morador Cleyton Augusto do Nascimento, de 32 anos, dá um passo para fora de casa, o cenário é desanimador: os vizinhos tiveram as residências desapropriadas, por se tratar de área de risco geológico, e os lotes foram usados para entulhos e bota-fora. O acúmulo dos escombros causa infestação de insetos e animais, e o mau cheiro denuncia um esgoto à céu aberto. São os problemas durante a seca, ainda menores que o medo de um período chuvoso. “Quando chove, o córrego sobe tanto, que não é possível enxergar a margem de terra. A água sobe e sai carregando tudo. Esse entulho vai ser levado, e aí nós teremos que nos salvar”, reclama.
A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) afirma que a região recebe coleta de lixo regularmente, três vezes na semana, às terças, quintas e aos sábados, mas assume que o local é “alvo constante de deposição clandestina”. Cleyton mora há três anos no Novo Aarão Reis, nas proximidades do córrego do Onça, e já se mudou sabendo o que teria que enfrentar. “Por causa dos entulhos, como fica tudo aberto, junta rato dentro de casa, inseto, mosquito da dengue. Desde que cheguei está do mesmo jeito”, lamenta.
Os moradores dizem que o bairro é uma “ilha”: só tem duas entradas, e uma delas é por cima do afluente, em uma ponte afunilada onde só passam motos e pedestres. “Estamos ilhados, literalmente”, diz o autônomo. O Executivo se comprometeu a fazer uma vistoria, ainda esta semana, para programar uma limpeza, afirmando que “além do risco de doenças, no período chuvoso, a prática [de descarte irregular] pode trazer risco de enchentes”.
A margem do córrego da Onça passa por desapropriações como projeto da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) para evitar inundações em áreas de risco geológico – como deslizamentos de terra – e alagamentos desde 2015. As demolições ocorreram para otimizar as obras de macrodrenagem do córrego Cachoeirinha e ribeirões Pampulha e Onça e, logo, ampliaram as seções à montante do Ribeirão do Onça, “alterando, por sua vez, as vazões no trecho de jusante do mesmo”, diz parte do projeto da PBH. “Haverá, portanto, a demanda de se criar um uso para área, evitando-se nova ocupação”, previa o documento.
Até o momento, cerca de 900 moradias foram removidas e outras 700 estão cadastradas para remoção, todas localizadas nas margens do ribeirão, segundo a prefeitura. A área será anexada ao Parque Ciliar do Onça, uma grande estrutura que vai acompanhar o curso d’água em mais de dez bairros da capital, principalmente o Novo Aarão Reis e o Ouro Minas.
A proposta, com um investimento previsto de R$ 150 milhões, inclui revegetação, plantio de árvores, tratamento de margens e erosões, bem como implantação de equipamentos de esporte e lazer no entorno. Até lá, no entanto, a falta de cuidado com os lotes vagos pode gerar efeito contrário ao de prevenção das enchentes.
“Precisa ser feita uma força-tarefa durante o período chuvoso. Essas são áreas alagáveis, vulneráveis a desastres. Se não for retirado esse entulho, o material será carregado pelo córrego do Onça e vai, na verdade, contribuir para assorear o córrego, o que é muito negativo. Vai aumentar a chance de inundação”, analisa o urbanista e mestre em ambiente e patrimônio sustentável, Sergio Myssior.
Segundo a PBH, em junho foi aberta a licitação para contratar a empresa que irá executar as obras para criação do Parque Ciliar do Onça, e o “prazo para a implantação do parque é de três anos”. “Se a intenção é criar um projeto de solução baseada na natureza, todo o processo precisa ser cuidadoso. Ou os restos, entulhos e materiais serão carregados pelo córrego”, acrescenta Myssior.
Esgoto a céu aberto
A reportagem visitou a área na manhã desta quarta-feira (2 de outubro) e flagrou os lotes de terra aberta, com entulho espalhado. As antigas inundações destruíram os interceptores de esgoto, o que causa um problema de esgotamento a céu aberto e poluição da água. Questionada, a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) respondeu que está “acompanhando de perto a situação do esgoto na área”.
Segundo a Copasa, o início das obras de recuperação do interceptor de esgoto depende da conclusão das desapropriações que estão sendo realizadas. “A área onde foi alocado o interceptor passa por baixo de moradias que foram construídas sob a encosta na margem esquerda do Ribeirão da Onça. Assim que esse processo for finalizado, a Copasa avaliará a viabilidade técnica para recuperação do trecho afetado”, informou.
Moradores temem o pior
“A preocupação é o entulho. Quando chove, é aberta a comporta da lagoa da Pampulha, para não inundar lá, e a água vem toda para cima da gente. Tem uma cachoeira no nosso bairro, e a água dela desce mais forte ainda. Dá vontade de chorar, porque o que a gente vê é geladeira, sofá descendo o córrego”, relata a vendedora Rosana Silvana Monteiro, de 41 anos, 32 deles vividos no Novo Aarão Reis.
“Nós estamos vivendo aqui uma situação crítica. Eu acho que as autoridades deveriam respeitar o nosso direito. Nós somos moradores do bairro, isso é um bairro da cidade, é parte da capital”, denuncia Célio Pereira, de 52 anos, 34 deles vividos no Novo Aarão Reis. O pedreiro coleciona memórias de tragédias: “Nós somos traumatizados com isso. Quando chove, mesmo que chova pouco, a água transborda rápido. O córrego sobe até a passarela, e o povo fica com pânico de atravessar para sair do bairro”.
No futuro, mata ciliar à margem do Onça vai servir como ‘esponja’ de contenção de enchentes, diz especialista
Segundo o especialista Sergio Myssior, o projeto do Parque do Onça é bem sucedido ao usar ferramentas sustentáveis, alinhadas com o enfrentamento às mudanças climáticas. “Existem estudos que comprovam que o entorno do córrego do Onça é um dos pontos de maior vulnerabilidade na cidade, com alto risco de desastres frente ao avanço das ondas de calor e alterações do clima. É uma área muito propícia a inundações. Então, esse projeto entra com uma função muito importante”, analisa.
“A mata ciliar que será criada vai funcionar como uma esponja e conter o volume de água durante a cheia. O curso d’água não vai sofrer erosão, vai encontrar um terreno suscetível, uma vegetação adequada, e não terra com entulho, como está agora”, continua.
Ainda de acordo com a PBH, a limpeza dos entulhos dos imóveis removidos no Novo Aarão Reis foi finalizada. “Sobre monitoramento da infestação de insetos e animais, este é um trabalho feito regularmente pela Zoonoses”, acrescenta.
Veja nota da PBH na íntegra
“A Prefeitura de Belo Horizonte informa que o trabalho social do empreendimento previsto para a área, que compreende outros bairros além do Novo Aarão Reis, foi iniciado em 2015. Até o momento, cerca de 900 moradias foram removidas e outras 700 estão cadastradas para remoção, todas localizadas nas margens do Ribeirão do Onça, para a implantação do Parque Ciliar do Onça. As remoções acontecem em função dos riscos de inundação a que estão expostas as famílias. A limpeza dos entulhos dos imóveis removidos no trecho citado já foi realizada.
Cabe ressaltar que a região citada recebe a coleta de lixo regularmente, três vezes na semana, às terças, quintas e aos sábados, pela manhã. O local é alvo constante de deposição clandestina, apesar das campanhas informativas que são realizadas na comunidade. Ainda nesta semana uma vistoria vai ser feita no local para programar a limpeza. É muito importante que a população se conscientize dos riscos do lixo jogado em locais impróprios, principalmente na beira de córregos. Além do risco de doenças, no período chuvoso a prática pode trazer risco de enchentes.
Visando a redução dos alagamentos na temporada de chuvas, a Prefeitura de Belo Horizonte realiza uma ação conjunta, envolvendo as equipes de limpeza e Defesa Civil. São realizadas ações educativas com o objetivo de envolver e sensibilizar a população para as questões de limpeza urbana e ambientais, como não jogar lixo nas vias públicas, lotes e córregos. A equipe de Mobilização Social da Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) informa os moradores a respeito sobre os dias e horários da coleta domiciliar e como acondicionar os resíduos de modo adequado, para que possam ser recolhidos posteriormente. Os munícipes também serão orientados a utilizar as Unidades de Recebimento de Pequenos Volumes (URPV) para descartar resíduos como entulho, poda, volumosos, terra limpa e pneus, entre outros.
Sobre o valor da indenização, é utilizado um método de quantificação de custo, conforme algumas normas técnicas da ABNT.
Sobre o bolsa moradia, os imóveis indicados são vistoriados para atendimento às normas de segurança e habitabilidade.
Sobre monitoramento da infestação de insetos e animais, é um trabalho feito regularmente pela Zoonoses.Sobre a rede de esgoto, as informações devem ser solicitadas à Copasa.
Sobre o Parque Ciliar do Onça:
Historicamente, as comunidades que vivem ao longo do Ribeirão do Onça são afetadas por alagamentos em épocas de fortes chuvas. O prefeito Fuad Noman anunciou, em junho, a abertura de licitação para contratar a empresa que irá executar as obras para criação do Parque Ciliar do Onça. Com uma extensão de aproximadamente 7 quilômetros, 627,5 hectares e cortando 11 bairros da região Norte e Nordeste, esse será um dos maiores parques lineares do país. O investimento previsto é de R$ 150 milhões.
Criado dentro do conceito de “Cidade Esponja”, o Parque Ciliar do Onça tenta imitar a maneira como a natureza absorve, armazena e libera a água em espaços urbanos. Haverá grandes espaços “alagáveis”, destinados justamente a conter os transbordamentos do córrego, promovendo a correta drenagem da água. É um exemplo de aplicação de Soluções Baseadas na Natureza (SBN). Uma das metas do projeto é a despoluição do Ribeirão do Onça, com o uso de soluções mais naturais, como os “jardins fi ltrantes”, que usam plantas para ajudar a filtrar as impurezas das águas pluviais.
Os plantios já começaram. As margens receberam mudas de ipês, palmeiras, paineiras, dentre outras espécies, além de grama, para ajudar na permeabilidade do terreno. Também se investiu em paisagismo e outros equipamentos de lazer e esportes para a comunidade. O projeto foi realizado por meio do Acordo de Cooperação entre a PBH e a Organização das Nações Unidas (ONU) Habitat, a partir do Programa Global de Espaços Públicos da entidade. O investimento na obra é de R$ 150 milhões (o que inclui também as obras de macrodrenagem no Ribeirão do Onça) e o prazo previsto para a implantação do parque é de 3 anos.”
Veja nota da Copasa na íntegra
“A Copasa informa que já realizou a vistoria técnica no bairro Novo Aarão Reis e está acompanhando de perto a situação do esgoto na área.
No entanto, o início das obras de recuperação do interceptor de esgoto depende da conclusão das desapropriações que estão sendo realizadas. A área onde foi alocado o interceptor passa por baixo de moradias que foram construídas sob a encosta na margem esquerda do Ribeirão da Onça.
Assim que esse processo for finalizado, a Copasa avaliará a viabilidade técnica para recuperação do trecho afetado.”