HISTÓRIA

Plano Real 30 anos: 40% dos brasileiros nasceram após o caos da hiperinflação

Gerações posteriores à nova moeda cresceram em uma época inédita de relativa estabilidade da economia brasileira

Plano Real 30 anos: 40% dos brasileiros nasceram após o caos da hiperinflação
Publicado em 01/07/2024 às 10:36

Com seu casaquinho marrom de tricô e grandes óculos com aros alaranjados que deixavam seus olhos maiores, dona Francisca percorria os corredores de um supermercado no Rio de Janeiro em um dia de 1992. Quando pegou uma lata de leite em pó nas mãos e viu a etiqueta de preço, os olhos se esbugalharam ainda mais e, imediatamente, ela começou a reclamar com a própria lata em voz alta. “Que absurdo! Não é possível esse preço!”. A expressão de revolta dela foi eternizada na foto feita pela fotojornalista mineira Françoise Imbroisi, que trabalhava à época no “Jornal do Brasil”.

Uma imagem que ilustrou a sensação de milhões de brasileiros. O susto tinha um motivo: a inflação que chegou a 2.500% no acumulado anual nos anos 1980 e 1990 e fazia com que, a cada visita ao supermercado, os produtos estivessem mais caros. Eram os dias antes do Plano Real, que hoje (1º de julho de 2024) completa 30 anos.

Para as gerações que cresceram depois da implantação do plano, a era de caos econômico que o precedeu é apenas história. Cerca de 40% da população brasileira nasceu em 1994 ou depois disso, segundo o Censo mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e nunca sentiram na pele a hiperinflação.

“Talvez a geração que não viveu a hiperinflação não tenha certa sensibilidade em relação à importância de ter uma economia razoavelmente estável”, diz o professor de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV) Carlos Alberto Di Agustini. No mercado de trabalho, a idade média da população ocupada no Brasil é 40 anos, uma geração que não precisava lidar com dinheiro e trabalho durante o caos instaurado antes do real. Alguns jovens sequer sabem ao certo o que é hiperinflação. “Não faço nem ideia. Tem a moeda que eu conheço hoje. Parecia que antigamente o serviço era mais valorizado. Hoje em dia, não é a mesma coisa. Meu pai sempre fala que ele recebia muito mais antes do que agora”, diz a balconista Tamires Kelly, 27. Como mais brasileiros da sua geração, hoje ela encara outros desafios, como o de um mercado de trabalho em transformação.

A assessora de investimentos Jhady Vasconcelos, 26, só passou a entender o cenário de antes do Plano Real após estudar o assunto. “Eu confesso que, por muito tempo, até achei que era exagero, mas depois de estudar a formulação do Plano Real e as tentativas anteriores que fracassaram, dá para ter uma noção de que aquela crise econômica foi realmente severa. A memória coletiva desses tempos de hiperinflação vai se enfraquecendo com o tempo. Isso acaba resultando em uma geração que pode subestimar os riscos de políticas econômicas irresponsáveis”, reflete a profissional.

Para quem viveu aquele período, o turbilhão econômico deixou marcas. A foto de dona Francisca feita por Françoise e citada no início desta reportagem era mais uma cena da cobertura diária dos jornais. “A gente sempre saía para fazer matérias sobre os preços super altos. Essa foto teve repercussão, e o Marcílio Marques Moreira (então ministro da Economia) mandou uma caixa de leite em pó para a Francisca”, lembra Françoise. A fotógrafa também seguia o ministro: “Cansamos de fazer plantão na porta da casa dele para discutir a inflação”. Os jornais dos anos 1980 mostravam também os “fiscais do Sarney”, que monitoravam se os preços estavam congelados como a estratégia do presidente mandava – mas que se provou fracassada.

Estabilidade política garantiu sucesso após seis fracassos

O mundo não mudou do dia para a noite. Antes de terem as primeiras notas de reais nas mãos, os brasileiros encararam seis planos fracassados que tentaram estabilizar a economia. “O Plano Real teve uma originalidade e foi completamente diferente dos outros porque passou por três fases”, diz a economista e professora de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV) Carla Beni.

Primeiro, veio a fase fiscal, de ajuste de contas públicas e aumento de impostos. Depois, a Unidade Real de Valor (URV), que se tornou uma referência entre o cruzeiro e o dólar antes de a antiga moeda ser abandonada. E, enfim, o real. 

“O real foi o maior plano de estabilização da história do Brasil e o grande mérito da política econômica do século XX, na minha opinião”, afirma o professor de economia do Ibmec Hélio Berni. 

O novo plano só foi sustentado por ter surgido em um ambiente de relativa estabilidade política. “A população estava cética em relação a mais um plano, mas o governo Itamar Franco não estava envolvido em corrupção e o governo Fernando Henrique Cardoso tinha credibilidade. Se tivéssemos um país dividido como hoje, certamente o Plano Real não funcionaria. Havia políticos contrários a ele, mas não uma polarização como agora”, diz o professor de MBAs da FGV Carlos Alberto Di Agustini.