SAÚDE

Sessão sobre aborto no Senado tem só opositores da prática e contadora de histórias

Apenas pessoas contra o aborto, inclusive em caso de estupro, falaram na sessão que seria de debates

Sessão sobre aborto no Senado tem só opositores da prática e contadora de histórias
Publicado em 17/06/2024 às 15:01

BRASÍLIA – Uma semana após a Câmara dos Deputados aprovar a urgência da tramitação de um projeto de lei que equipara o aborto realizado após 22 semanas de gestação – em torno de cinco meses e meio – ao crime de homicídio, o Senado fez na manhã desta segunda-feira (17) uma sessão para discutir o procedimento de assistolia fetal, que consiste na injeção de substâncias no feto, o que leva o coração a parar de bater, antes da interrupção da gravidez. 

O procedimento é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para casos em que o aborto é realizado em idade gestacional acima de 20 semanas. Mas o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou em 3 de abril, uma resolução proibindo a assistolia fetal no Brasil. A Justiça Federal em Porto Alegre suspendeu a norma, mas ela voltou a valer após o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região derrubar a decisão. 

Em maio, a norma foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes, em resposta a uma ação protocolada pelo PSOL. O ministro considerou que houve “abuso do poder regulamentar” por parte do CFM, pois o aborto no caso de gravidez resultante de estupro é permitido no país. A resolução segue sem validade, enquanto o Supremo não emitir julgamento definitivo, o que não há prazo para ocorrer.

Durante a sessão no Senado, o presidente do CFM, José Hiran da Silva Gallo, se pronunciou contra a assistolia fetal e fez um fazer um discurso alinhado ao dos conservadores presentes – além de parlamentares, havia religiosos e líderes de entidades que lutam contra todo tipo de aborto. Gallo Defendeu limites na “autonomia da mulher”. Assim como ele, apenas pessoas contra o aborto após 22 semanas de gestação falaram na sessão que seria de debates.

“A autonomia da mulher esbarra, sem dúvida, no dever constitucional imposto a todos nós, de proteger a vida de qualquer um, mesmo o ser humano formado por 22 semanas”, afirmou Gallo ao microfone do plenário. Ele disse ainda que há “viabilidade fetal” com 22 semanas de gestação e que, já é um “ser humano formado”. “Falamos de pré-maturidade. São situações onde há viabilidade de vida, e já não se trata de um feto, mas de um ser humano formado”, ressaltou.

Gallo também arrancou aplausos da plateia ao defender a vida de fetos, seja qual for o período da gestação. “Não posso esconder minha surpresa com a banalização da vida a que estamos sendo expostos na sociedade contemporânea de um modo sistemático. Me pergunto o que houve em nossa caminhada enquanto humanidade. Qual o desvio que tomamos em nossa rota, tornando insensíveis à necessidade suprema de proteger a dignidade e a vida?”, questionou.

Relator de resolução diz não haver aborto legal

O relator da resolução no CFM sobre a assistolia fetal, Raphael Câmara Medeiros Parente, também discursou e comparou o procedimento a um “método de tortura”. Ele ainda afirmou não haver aborto legal. “Não existe o tema aborto legal. É aborto com excludente de punibilidade. Seria que nem falar em homicídio legal. Mas existem situações em que se pode matar. Todo aborto é crime, mas alguma crimes não são punidos pela lei”, afirmou, sob aplausos de parlamentares conservadores.

O Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou contra a posição do CFM em relação à assistolia fetal. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, suspendeu a resolução do CFM que impedia o procedimento, argumentando que o CFM “se distancia de padrões científicos pela comunidade internacional” e que a normativa ultrapassa os limites do poder regulamentar do órgão. O Conselho recorreu e pediu a redistribuição do processo.

Partiu do senador Eduardo Girão (Novo-CE), um dos expoentes da oposição no Congresso, o convite para os dois representantes do CFM falarem na sessão desta segunda-feira. Ao microfone, ele disse ser crime o aborto em qualquer situçaõ, inclusive no caso de estupro. “Eu aboli o termo biologicamente correto, que é feto. Pois para mim todos os estágios da gravidez é, e sempre será, criança. Estamos tratando aqui de infanticídios”, afirmou.

Girão foi elogiado publicamente pelo presidente do CFM. Antes de sua fala, Gallo disse que o senador representa “o povo e as mulheres brasileiras”. Girão também teceu elogios ao representante da classe médica brasileira. E atacou a posição do STF. “Não é possível que o ordenamento jurídico brasileiro permita a tortura de pessoas no ventre”, afirmou. 

Encenação de aborto no plenário

Antes do pronunciamento de ambos, a sessão foi aberta com uma performance de uma contadora de histórias que reproduziu as falas de um feto durante o aborto. Com um texto fictício, Nyedja Gennari simulou um feto de 22 semanas reagindo ao aborto, inclusive com falas. “Não! Não acredito! Essa injeção, essa agulha! Quero continuar vivo. Vai doer muito. Por Deus, eu imploro!”, disse ela no plenário. 

“Essa história, embora trágica, dolorosa, é um chamado para reflexão, para que todos compreendam a seriedade e as consequências do aborto”, afirmou a mulher ao fim da performance de 5 minutos. Nas redes sociais Gennari  se identifica como contadora de histórias, escritora, professora e arte educadora.